Transtorno do Espectro Autista: análise jurídica dos Direitos Assistenciais e Garantias Fundamentais no ordenamento brasileiro

O reconhecimento legal da condição neurológica e seus desdobramentos nos âmbitos do SUS e da saúde suplementar.

Por Gilma Carvalho

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica complexa, que impacta o desenvolvimento da comunicação social, dos comportamentos e dos interesses da pessoa desde os primeiros anos de vida. A legislação brasileira reconhece expressamente o TEA como deficiência, garantindo os mesmos direitos previstos na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). Esse reconhecimento vem desde a chamada Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012), um marco na proteção dos direitos da pessoa com autismo.

Sob o olhar clínico, tanto o DSM-5 quanto a CID-11 — dois dos principais manuais diagnósticos adotados no Brasil — descrevem o TEA como um conjunto de manifestações que envolvem dificuldades na interação social e padrões repetitivos de comportamento. Não se trata, portanto, de uma condição única e igual para todos, mas de um espectro que exige acompanhamento multidisciplinar.

Infelizmente, apesar dos avanços legislativos, ainda é comum que famílias enfrentem resistência na cobertura de terapias pelos planos de saúde. Vale destacar que a ANS, por meio da Resolução Normativa nº 469/2021, deixou claro que terapias como fonoaudiologia, psicologia, terapia ocupacional e fisioterapia fazem parte da cobertura obrigatória, sempre que houver indicação médica.

O Superior Tribunal de Justiça, em decisões repetidas, consolidou o entendimento de que limitar o número de sessões terapêuticas para pacientes com TEA é abusivo. E, para evitar dúvidas, a Lei nº 14.454/2022 reforçou esse posicionamento ao proibir as operadoras de planos de saúde de recusarem procedimentos prescritos pelo médico responsável, mesmo que não estejam no rol da ANS.

No âmbito do SUS, a Portaria nº 324/2016 instituiu diretrizes específicas para o atendimento de pessoas com TEA, garantindo acesso aos Centros Especializados em Reabilitação (CER) e aos CAPS. E para reforçar a importância do diagnóstico precoce, a Lei nº 13.438/2017 tornou obrigatória a aplicação de protocolos que avaliem o risco de atraso no desenvolvimento psíquico nas primeiras consultas pediátricas.

É importante que pais, responsáveis e profissionais de saúde fiquem atentos aos primeiros sinais do autismo, como ausência de contato visual, atraso na fala, movimentos repetitivos ou seletividade alimentar. A identificação precoce permite iniciar intervenções no tempo certo, ampliando as chances de desenvolvimento e autonomia.

Além do cuidado com a saúde, os direitos educacionais também estão assegurados. A legislação prevê a presença de profissional de apoio escolar para os estudantes com autismo, sempre que necessário, sem custo adicional para a família. No campo assistencial, o BPC (Benefício de Prestação Continuada) pode ser concedido às pessoas com TEA que se enquadrem nos critérios de vulnerabilidade econômica, com avaliação não apenas médica, mas biopsicossocial, como prevê a Lei nº 14.176/2021.

Apesar de todos esses avanços, ainda vemos muitas negativas, atrasos e omissões, o que leva muitas famílias a recorrerem à Justiça. O Ministério Público tem atuado com firmeza em defesa desses direitos, inclusive por meio de ações civis públicas como a de nº 1005197-60.2019.4.01.3500, movida contra a ANS e a União.

Como advogada atuante na área da saúde, vejo diariamente o impacto real que o acesso — ou a falta dele — às terapias pode causar na vida de uma criança e sua família. O conhecimento do arcabouço jurídico é fundamental, mas tão importante quanto isso é humanizar essa luta e lembrar que, por trás de cada processo, existe uma história de vida.

Nosso papel é fazer com que a lei saia do papel e se transforme em acolhimento, inclusão e respeito à dignidade humana.


Fonte: Gilma Carvalho da Silva Machado | Jusbrasil

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